STJ – É nula a procuração com termos genéricos para compra e venda de imóvel.

02/07/2020

 

Fonte: blog DIREITO das COISAS.

REsp nº 1.814.643 – SP

 

No recurso especial em comento, o STJ se propôs a definir se procuração que estabelece poderes para alienar “quaisquer imóveis localizados em todo o território nacional” atende aos requisitos do art. 661, § 1º, do CC/02, que exige poderes especiais e expressos para tal finalidade.

O STJ decidiu que a outorga de poderes com tal expressão não supre o requisito de especialidade exigido por lei, que exige referência e determinação dos bens concretamente mencionados na procuração.

A Ministra Relatora ressaltou que, nos termos do art. 661 do CC/02, depreende-se que o mandato em termos gerais só confere poderes para a administração de bens do mandatário. Assim, para que sejam outorgados poderes hábeis a implicar na disposição, alienação ou gravação do patrimônio do mandante, exige-se a confecção de instrumento de procuração com poderes expressos e especiais para tanto.

No caso em comento, a procuração outorgada ao mandatário conferia “ amplos e gerais poderes para vender, ceder, transferir ou por qualquer forma e título alienar, pelo preço e condições que ajustar, quaisquer imóveis localizados em todo o território nacional”.

Sobre os poderes concedidos pelo mandato, foi citado no acórdão a doutrina de Claudio Luiz Bueno de Godoy, que, ao comentar o art. 661 do CC/02, diz que

os atos de alienação ou gravação do patrimônio do mandante, bem assim de disposição de seus direitos, como regra, excluem-se ou exorbitam da mera gestão” (Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. 8 ed. rev. e atual. São Paulo: Manole, 2014, p. 652).

Assim,

poderes expressosidentificam, de forma explícita (não implícita ou tácita), exatamente qual o poder conferido (por exemplo, o poder de vender). Já os poderes serão especiais quando determinados, particularizados, individualizados os negócios para os quais se faz a outorga (por exemplo, o poder de vender tal ou qual imóvel). (...) Destarte, se no mandato se outorgam poderes de venda, mas sem precisão do imóvel a ser vendido, haverá poderes expressos mas não especiais, inviabilizando então a consumação do negócio por procurador. (...) De toda sorte, menos discutível que a outorga de poderes especiais deva ser interpretada de forma restritiva, a fim de que não se admita deduzido do poder de vender o de hipotecar, ou vice-versa, do poder de vender o de prometer vender, como de resto o próprio § 2º do artigo em comento explicita não se compreender no poder de transigir o de firmar compromisso, verdadeiro regulamento da arbitragem (Lei n. 9.307/96). Excepcionalmente, todavia, poder-se-á deduzir poderes implícitos de outro especialmente conferido, quando lhe seja instrumental ou consequente. Assim, por exemplo, compreende-se no poder de vender o de receber o preço e dar quitação, no de comprar o de receber a coisa, no de cobrar letras o de protestá-las (p. 653 – negritos no acórdão.)

Com efeito, a finalidade da norma não é outra, senão a de proteger o outorgante contra eventuais prejuízos causados por ato praticado em seu nome, mas sem o seu consentimento, pelo mandatário que extrapola o limite dos poderes que lhe foram concedidos por mandato. É dizer, ninguém pode ser obrigado por ato praticado por mandatário que não tenha poderes suficientes ou que exceda os poderes que lhe foram outorgados.

Daí porque, salvo comprovada má-fé, e ressalvada a possibilidade de ratificação pelo mandante, o CC/02 dispõe que tais atos, praticados por quem não tenha poderes suficientes para tanto, ou ainda por quem excede os poderes do mandato ou procede contra eles, são ineficazes em relação ao mandante (arts. 662 e 665).

No caso, embora expresso o mandato – quanto aos poderes de alienar quaisquer imóveis localizados em todo território nacional – não se conferiu ao mandatário poderes especiais para alienar o imóvel que foi alienado. Constatando-se, assim, a extrapolação dos poderes outorgados ao mandatário, o mandato foi declarado nulo e o registro da compra e venda do imóvel foi cancelada.

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